Em pé de igualdade
tecnológica com as mais avançadas, a GMB se desnivela para baixo em relação a
qualquer outra na largada da corrida à informação contingenciada, a matéria
prima precária de qualquer mídia. Todas são deficientes na apuração de um
fato-notícia pré-selecionado como tal, geralmente por sua excentricidade
("notícia é quando o homem morde o cachorro"), anormalidade ou
assimetria.
O
leitor/ouvinte/telespectador confia na veracidade da informação, a certeza de
ser portador da verdade de um fato, não importa se circunstancial ou episódica.
Essa certeza serve de moeda no posicionamento diante da realidade ou em
relacionamentos interpessoais. Forma juízo íntimo, molda opinião, segundo
convicções éticas, religiosas, políticas ou interesses pessoais.
A confiança na mídia se
escora na premissa de fatos selecionados a partir de sua importância e de
acordo com o interesse geral, honestamente. Não informação de fato/notícia
relevante geralmente decorre de dificuldades técnicas na apuração ou
transmissão em tempo hábil ou de censura por motivos políticos, econômicos ou
militares. Entende-se censura a proibição imposta arbitrariamente por alguma
autoridade sob pena de retaliação. Imagina-se que a mídia, instintivamente,
move-se contra todo tipo de censura, inclusive por negligência ou deslize ético
profissional.
A teoria não funciona na
prática da Grande Mídia Brasileira, altamente especializada na pré-seleção de
fatos/não-notícia. Em processo inverso à lógica, é a partir da grade de
pré-exclusão que ela seleciona os fatos/notícia segundo regras simplíssimas:
Regra nº 1 - São
fatos/não-notícia os problemas do Brasil Real logo que acontecem ou se
visibilizam.
Regra nº 2 - São
fatos/não-notícia os problemas do Brasil Real que se tornam crônicos e,
portanto, aparentemente insolúveis.
Regra nº 3 - São
fatos/não-notícia todos os que, por razões estéticas, culturais, sociais ou
étnicas, desafiam ou constrangem os padrões de racionalidade, modernidade ou
bom gosto do Brasil Legal.
Fatos/não-notícia são o prazo
de carência de naturalização da pobreza na paisagem social e conseqüente
dessensibilização diante dos dramas da exclusão. A perda da capacidade de
indignação da classe média decorre da maquiavélica desvibilização da realidade
incômoda local e visibilização da realidade prazerosa importada. O que a vista
midiática não alcança, o coração social não sente.
Outra regra indeclarável: A
Grande Mídia Brasileira administra com mão de ferro o imaginário social, do
futebol às telenovelas.
Overdoses de terrorismo
emocional ou ficcional - a agonia e o sepultamento apoteótico de Tancredo
Neves, Plano Cruzado, o Caçador de Marajás, Plano Collor, Copa do Mundo -
alternam-se com terrorismo político. Dora Kramer, rainha do frevo e do maracatu
do colunismo político, nunca cobrou a apuração do assassinato de sindicalistas
- três já no governo Lula - mas acusa o ministro de Desenvolvimento Agrário de
condescendência com "métodos violentos do MST".
Ela que bradou após a
execução de Tim Lopes: "Instrumentos de poder junto ao poder, elevados à
condição de porta-vozes da sociedade, os veículos de comunicação permanecem à
margem do processo de readaptação das instituições brasileiras à democracia e
na correção das injustiças e hábitos nefastos nos diversos setores. Estão fora
dessa discussão, a não ser como juizes, nunca como personagens... Quem, afinal
de contas, pensamos que somos?" (11/06/02).
Ela mesma que, durante a
campanha eleitoral, absolveu a pistolagem de aluguel das grandes redações:
"Evidente que jornais e revistas, por não estarem submetidos aos rigores
da legislação que regula o noticiário eleitoral no rádio e na televisão, não só
podem como devem emitir opiniões, relatar fatos, fazer interpretações,
comparações e o que bem quiserem em nome da exposição detalhada de biografias e
personalidades" (11/07/02).
"E o que bem
quiserem" é o passe dos pistoleiros de aluguel para assassinarem imagens
públicas. Violência política em nome do direito constitucional de livre
expressão. Matriz e pauteira das demais, a mídia gráfica sintetiza o substrato
ideológico editorial unificador do conjunto de conglomerados, o padrão
supostamente de alto nível e bom gosto de filtragem de todos os assuntos.
Na década de 50, O Cruzeiro,
então a grande revista semanal, engavetou por meses a reportagem da odisséia
dos paus de arara, que acabou premiada. Pegava mal chocar a high society com as fotos daquela gente
feia e miserável. Um pau de arara chegou ao Planalto, mas não mudou o veto a
idéias, personalidades, signos e dicções de expressão da diversidade social e
cultural.
O modelo estético oficial -
filhote do pensamento único político - não dá paisagem a escritores e artistas
que põem em risco o controle dos cânones culturais. O grande jornalismo é uma
fábrica 24 horas de subjetividade de exclusão na entrada e de colonização
política e cultural na saída. Nove entre dez editores de cultura duvidam da
existência de arte no Brasil. É o motivo da rejeição de Veja ao cinema
nacional? Um editor de cultura de São Paulo, depois editor-chefe de jornal
gaúcho, suspendeu a cobertura do Festival de Gramado sob o argumento de que
"o cinema brasileiro não existe".