- Contribuição espontânea à futura Enciclopédia dos Meios de Comunicação de Massa. |
GRANDE MÍDIA BRASILEIRA
*CARLOS ALBERTO KOLECZA
GRANDE MÍDIA BRASILEIRA (GMB) - Consórcio informal fechado, cartel, oligopólio, condomínio cartorial, o conjunto de conglomerados e grupos isolados de jornal, rádio e TV e negócios conexos e desconexos (marketing, loteria, financeiros, imobiliários e outros discretos), estruturados regular ou irregularmente, de propriedade familiar, que atuam com isenção fiscal e outras regalias no mercado de produção, comercialização, propaganda e divulgação de informações de presumido interesse público, com a finalidade não-declarada de preservar a concentração de renda responsável pela desigualdade social.
I - CARACTERÍSTICAS GERAIS
Ao contrário da sua
finalidade-declarada - a livre circulação da informação - o cartel da GMB opera
o seqüestro da informação, de modo a intervir no espaço público, o cenário
simbólico de ação de instituições oficiais, entidades civis, movimentos sociais
e culturais. Constitucionalmente a salvo de qualquer ingerência legal em sua
aparente atividade-fim, o oligopólio executa no plano psicossocial o projeto
secreto das elites dirigentes, iniciado com a escravidão, de separação induzida
do Brasil Legal do Brasil Real, visível na fratura social exposta da guerra
civil em curso.
Acima do bem e do mal, a
função principal da Grande Mídia Brasileira é manter intocável o emaranhado de
leis, decretos, sentenças, discriminações formais e informais que concentram a
maior parte da riqueza nacional entre os habitantes do Brasil Legal, e,
paralelamente, bloquear o esforço pró-desconcentração de renda da população do
Brasil Real.
A GMB é decisiva no processo
político causador da diferença chocante entre o Brasil oficial, bonito por
natureza, primeiro-mundista, dono de quase tudo, que come quantas vezes quer,
mora, veste, educa-se, fala e consome bem e o Brasil extra-oficial, dono apenas
da vontade de sobreviver, que come quando pode, veste, educa-se, fala e consome
mal, feio de pele, cabelo e cacoetes terceiro-mundistas.
Vislumbrado pela primeira
vez por Cláudio Abramo, talentoso jornalista, no livro "A Regra do
Jogo", um pensamento oculto guia o comprometimento da Grande Mídia Brasileira
como operadora do plano secreto de apartar a grande minoria com-tudo da grande
maioria sem-nada.
Mais recentemente, o
combativo jornalista Jânio de Freitas especulou sobre "as regras
indeclaráveis" da grande imprensa, o cerébro da rede multimidiática. As
regras indeclaráveis são a metodologia aplicada do pensamento oculto, tudo
indica. O pensamento oculto ainda não ousa se expor e as regras indeclaráveis
continuam nebulosas, mas a prática possibilita identificar as impressões
digitais da GMB no desenho do apartheid social.
O seqüestro da informação
com base em códigos seletivos tidos como intelectualmente válidos é o ponto de
partida da escalada corruptora, ética e institucionalmente, de legitimação da
exclusão. No nicho vazio da informação seqüestrada, a GMB processa mensagens
programadas de adulteração da vontade pública de mexer nos mecanismos do
apartheid. Liberada, a partir daí, a linha de montagem de verdadeirização da
mentira e mentirização da verdade se desdobra em etapas sincronizadas de
secundarização do importante e principalização do irrisório.
A realidade factóide ocupa a
vaga da realidade desvisibilizada e automatiza a produção das culturas de
alheamento, dessensibilização, desidentificação, resignação, oportunismo e
desagregação, marcas negativas do caráter brasileiro. Vale tudo na intromissão
indébita para manter desequilibrada a correlação de forças sociais. A GMB
bombeia medo do inconsciente coletivo para avivar a fobia das elites aos
pobres, e, com fundamento, o pavor dos pobres aos ricos.
Surtos intempestivos de
truculência em situações mínimas de tensão ressuscitam oportunamente a
lembrança da chibata, o símbolo senhorial por excelência. A linguagem oficial
do terrorismo é regra indeclarável do pensamento oculto a serviço do projeto
secreto de desintegração social. O ciclo corruptor da informação, com
impressionante conotação de crime de falsidade ideológica, se fecha com a
fabricação de opinião pública, apresentada como expressão da vontade pública,
na verdade um simulacro decorativo mas deletério de produção de consenso da
desigualdade.
À primeira vista inviável em
população descomunal e heterogênea, o controle social pela informação fulmina
teorias com fatos irrefutáveis e conseqüências comprováveis. Sob a implacável
vigilância do jogo político pelo oligopólio, goraram as tentativas de atenuação
da desigualdade social. A respeito de profundas alterações institucionais e
políticas, a concentração de renda cristalizou-se nos últimos 30 anos, fiel à
curva de dados empíricos delineada pela primeira vez em 1848.
Acumulam-se as evidências de
que governos e regimes revezam-se para salvaguardar o rateio iníquo da renda.
As perspectivas de êxito do governo votado massivamente para intermediar um
novo pacto social dependerão do humor dos barões da mídia. No dia seguinte à
vitória de Lula, José Dirceu antecipou que "a crise da mídia é questão de
interesse nacional", a propósito do rombo da Rede Globo. Descobriu em seguida
que "uma empresa como a Globo, assim como a Varig, não pode quebrar"
(FSP 13/04/03). Em nome do país e do bem público, vem aí a Dívida Zero para o
setor de ponta empresarial assumidamente antinacional e antipovo.
Não há porque duvidar da
sinceridade do governo Lula e também porque confiar piamente na sua capacidade
de mexer na distribuição de renda. Fenômeno raro de partido de princípios
abomináveis à GMB que agigantou-se, o PT não deixará de negociar diretamente
com ela a estabilidade do governo. O partido em que a sociedade apostou todas e
talvez últimas fichas de esperança em mudanças estruturais empacou na
encruzilhada de cooptação. A mesma linguagem neoconservadora passou a embalar o
samba de uma nota só da resignação às imposições antidesenvolvimentistas.
Central única das elites -
monolítica, truculenta e perversa - a GMB costuma deitar o charme sedutor dos
holofotes sobre as vítimas, antes de disparar mísseis aniquiladores. Um apenas
dos muitos artifícios fatais da estratégia de pactos de conciliação entre
ex-adversários irredutíveis que perpetua a desigualdade social. Espantado com a
perícia das elites brasileiras na multiplicação de privilégios, o historiador
americano Thomas Skidmore definiu o Brasil como "máquina de distribuir
renda para cima".
O oligopólio da GMB é a
perícia escrita, falada e televisada do antiprojeto nacional de produzir
miséria em grande escala. O controle social pela informação - o que o
brasileiro pode ou não saber e deve ou não sentir sobre o Brasil, o mundo e ele
mesmo - exerce hoje o mesmo papel das barreiras de acesso à educação antes da
Revolução de 30, sem necessidade de reforço policial ou militar.
A GMB move-se com autonomia
coronelística de Guarda Nacional na contenção dos focos de rebeldia política. O
brasileiro deita sem saber o que de bom ou ruim aconteceu e levanta sem a menor
idéia se o dia será pior ou melhor. Uma pesada névoa de solidão recobre a paisagem
social. Poucas populações são tão desorientadas e carentes das noções primárias
de deveres e direitos. "O sofrimento do povo, por incrível que pareça, é
muito mais por falta de informação do que qualquer outra coisa".
Por ignorância. Às vezes o
hospital está do lado da casa dele, mas ele não sabe que tem hospital, não sabe
internar, não sabe perguntar. Brasileiro não sabe usar o direito dele".
Carlos Massa - o Ratinho - revista Press 19, entrevista a José Luiz Prévidi. Os
códigos seletivos - o elitismo - que originaram a multissecular rejeição ao
conhecimento formal no Brasil, são os mesmos que impulsionam a ruptura
dramática da maior parte da população com a informação pública, desde a
elementar do dia-a-dia (o que fazer contra o mosquito da dengue) ao repertório
básico da chamada cultura cívica.
A eleição de Lula é o único
sinal pulsante de inteligência social coletiva. A GMB em nada contribui para a
educação do povo. Ela é subvencionada para deseducar e dessociabilizar e cumpre
à risca a tarefa de rebaixadora cultural pelo que diz e não diz em sua
linguagem viroticamente desagregadora. Cristóvam Buarque matou a charada da
telenovela numa observação: "Já viram alguém lendo um livro ou biblioteca
no cenário?". Muitos já haviam reparado que poucos trabalham, as e os de
sempre.
A GMB consegue a façanha de
fundir o legado de obscurantismo das oligarquias tradicionais ao vandalismo da
teleguerra neoliberal dos ricos contra os pobres. As bem-pagas cabeças
pensantes convalidam a ligação tenebrosa com os rituais embrutecidos de
convívio - a perda de confiança no comportamento do outro - que esguicham
sangue a um mero olhar ou gesto banal.
A não ser pela assinatura na
coluna, é difícil diferenciar cabeças pensantes e pistoleiros de aluguel da
GMB, cavalheiros e madames de fina estampa. Uns vendem idéias enlatadas de
primeiro-mundismo, outros executam com palavras imagens públicas perigosamente
brasileiro-mundistas. Oficialmente, patriotismo e nacionalismo são pensamentos
e sentimentos toscos no grande jornalismo brasileiro, que só pegam bem no
carnaval publicitário de Copa do Mundo.
As elites fundadoras
argentinas optaram por povoar o país com um povo orgulhoso, as brasileiras
desfundadoras contam com a GMB para expurgar a auto-estima da identidade
nacional. Não deve haver outra igual na vocalização do menosprezo a seu povo,
propositadamente empenhada em desconstituir dignidades individuais e coletivas.
Deve ser o motivo não explicado de Mino Carta acusar a nossa grande imprensa de
ser "a pior do mundo".
Mais do que alérgica à
cidadania, medularmente anticidadã, agente ativa de desgentificação. Motivos
não faltam para classificação da GMB entre as mais sórdidas na cumplicidade
consciente com a desintegração social. A repressora da consciência cidadã
testemunha permissivamente a depredação dos recursos naturais, o saqueio do
patrimônio público e a impunidade, artimanhas legais ou ilegais de concentração
de renda.
A lei nunca vale para as
mágicas trambiqueiras do Brasil Legal e deixou de valer para as correrias
sangrentas do Brasil Real. A lei não vale mais para ninguém, à exceção da
Responsabilidade Fiscal. Todos contra todos. Salve-se quem puder. Há tantos
delinqüentes em potencial no clube cara bonita dos shoppings e da TV a cabo
quanto na galera cara feia dos trombadinhas. Na fuga às responsabilidades de
monopolizadora da palavra e da imagem, a GMB opta por sacralizar a terapia da
violência oficial contra a desordem social nas ruas, não nos salões e
gabinetes.
Márcio Thomaz Bastos se
engana. A suposta glamourização midiática de Fernandinho Beira-Mar é truque
para marcar a ferro quente uma população e um território perigosos no
subconsciente da classe média. Na produção de sentido para o imaginário da
exclusão social, a GMB destila racismo.
No observatório da Grande
Mídia Brasileira, o telescópio desterra os corpos informativos de primeira
grandeza para os confins das galáxias. A grande reportagem foi aposentada, o
furo, abolido, as sucursais fechadas. As agências de notícias dos jornalões
trabalham sob encomenda, ótica e acústica do mercado financeiro, principal
cliente. Dez nomes, se tanto, desfilam nas passarelas colunísticas o pensamento
político, econômico, tricas e futricas do Rio, São Paulo e Brasília.
O pseudo-debate político
nacional, imposto de cima para baixo, soterra realidades e peculiaridades
regionais. Mais acariocado, apaulistado e acadangado do que nacional, o
noticiário caiu no ferrolho de análises de ex-ministros da Fazenda,
ex-presidentes e ex-diretores do Banco Central, hoje por coincidência
banqueiros privados e consultores econômicos e de professores-doutores
candidatos a uma vaga na maçonaria do respeito aos contratos.
Diretores e editores de
jornalões em disponibilidade não-remunerada se asilam em diretorias e
assessorias de bancos e bolsas de valores. A teia planetária de tralhas
tecnológicas fantásticas, de espaço virtual e tempo real, não consegue, no
Brasil, captar a realidade doméstica do dia-a-dia.
Cada vez mais, menos
informação em carne e osso. No mundo todo, a "mídia detém o poder de
saber; o poder do poder saber; o poder de mostrar; o poder de julgar". Na
definição do professor Antônio Fausto Neto (UFRJ), faltou o item fonte do poder
da GMB, o poder de não mostrar que assegura condições plenas de exercício do
controle social. Basta, para isso, centralizar, unificar e homogeneizar a
informação mostrável, missão de uma burocracia incubada nas estufas do
jornalismo elitista.
A burocracia editorial da
GMB, tão inflexível quanto a do Estado no policiamento do acesso aos serviços
públicos, é mais nefasta socialmente. Pior do que indeferir a concessão de
alguma benesse justamente reclamada é negar a informação que gera expectativa
de direito. O cidadão maltratado pela burocracia oficial tem a quem recorrer, o
desinformado de seus direitos é vítima impotente de um esbulho praticado em
nome da liberdade de imprensa. A liberdade de esconder informação.
Em dia talvez não muito
longínquo, Ratinho irá a uma escola de comunicação social expor o teorema da
desinformação de sua autoria. "Lamentavelmente, desde o Império nós estamos
vivendo entre o casarão e a senzala. O povo continua na senzala e a imprensa no
casarão. Os donos dos grandes jornais são os bilhardários.
Enquanto o casarão não
descer à senzala, ele não vai saber o que acontece lá dentro". Se
continuar pensando nesse ritmo, o próximo estalo de Ratinho pode lhe custar R$
1 milhão de reais por mês. O unimultimidiático Diário Oficial das elites está
programado para processar informação padronizada e com carimbo de fonte oficial
ou oficiosa.
A burocracia da informação é
bem mais do que "governomaníaca", descoberta semântica tardia de
Marcos de Sá Corrêa, ex-Veja, ex-editor-chefe do Jornal do Brasil. Mais lúcido,
seu pai, Villa-Boas Corrêa, decano do jornalismo político, acerta na mosca:
"No jogo político de cúpula, o povo não entra". Uso privativo das
elites, a GMB chapa-branca é apenas emprestada a governos factóides, caso do
período FHC. O Brasil que desce para cima, sobe para baixo e avança para trás
(José Simão) arrasta a GMB ao fundo, mas ela não abre mão do direito de
estatizar seus calotes nem de pré-fabricar pressão para as coisas não mudarem.
Mídia gráfica de vexatória
tiragem e desinteressada de mais leitores, mídia eletrônica de trambiques e
baixaria no entretenimento, o poder real da GMB emana da capacidade de
fragmentar a vontade pública de fazer o Brasil dar certo. Deseduca para
descidadanizar, na função sinistra de despolitizar as tentativas de organização
da sociedade. Se cumprisse a finalidade-declarada de democratizar a informação,
perderia o status de monitora do antiprojeto de nação.
A GMB não pode voltar atrás
nos descaminhos de sócia e base de sustentação do poder. O cara-durismo na
produção da agenda política das elites pela desvibilização da realidade não
escandaliza mais. No Roda-Viva (25/01/03) com Horácio Lafer Piva, presidente da
Fiesp, ninguém indagou sobre como desconcentrar renda para desinflar a
desigualdade social. Em 40 minutos de toma-lá-dá-cá, o bom-mocismo recíproco
estacionou nas reformas da previdência e tributária. Tema do programa: o pacto
social de Lula! A realidade desvibilizada exige outra em seu lugar para
consolidar a hierarquia social.
O populismo midiático da
modernidade encobre o fundamentalismo econômico de supressão do direito ao
trabalho e à remuneração, face e verso da identidade social. Atrás da fachada
de mediação social, a GMB organiza o topo à custa da desorganização da base da
pirâmide social.
Regra principal do jogo
político de cartas marcadas: poder concentrado, renda idem. Na encenação de
espaço público livre, a concentração da informação legitima poder e renda em
poucas mãos. Na estratégia de vigilância das fronteiras sociais, as únicas que
preocupam as elites, a GMB cumpre sem relutância a incumbência de policiar a
passagem pelas barreiras legais e subjetivas de mobilidade e ascensão.
A reação histérica a cada
reajuste do salário mínimo exemplifica o pânico diante da possibilidade da
reação em cadeia influir no fatiamento da renda. Com o aval da grande mídia da
época, no intervalo entre a queda e a volta de Getúlio Vargas, o salário mínimo
foi congelado. Houve o reajuste, os generais receberam sinal verde para
conspirar. Nada muda.
A economia se multiplica e o
salário mínimo encolhe. Barreira crucial na mobilidade social, salário baixo,
além de injusto, afunila o consumo, asfixia e encarece a produção industrial,
mas produz concentração de renda e desigualdade, é o que importa ao Brasil
Legal. Em l8/03/01, editorial do Jornal do Brasil decretou o toque de silêncio
na polêmica de reajuste do salário mínimo. De parte de um jornal, vergonhosa
confissão de autocensura.
Mais astutos, outros
jornalões e revistonas censuram sem confessar ou editorializam o terrorismo da
falência da Previdência Social e das prefeituras. Total, o veto à abertura das
barreiras sociais impõe a desvibilização dos problemas sociais graves
(desemprego, educação, terra, habitação, saúde), como se não existissem. Os
próprios jornalistas passam a acreditar na realidade cor-de-rosa.
Principal mediador da Rede
Globo, alta milhagem internacional, William Waack caiu para trás no Globo News
Painel (10/10/01) quando alguém falou que "o problema do racismo está por
trás da desigualdade social". Tentou disfarçar a surpresa com a existência
de apartheid no Brasil, que nunca leu no Financial Times, seu jornal preferido.
Jornalistas impregnados dos
padrões subjetivos de autocensura passam a ser agentes públicos de ocultação da
realidade. Com autocensura tão prodigiosa, a GMB não carece de censura; ela é a
própria. Parece segredo, mas é regra escrita. Luiz Garcia, editor de Opinião de
O Globo, condensou pragmaticamente a filosofia do jornalismo não-notícia:
"Em redação, só dá problema o que você publica, não o que deixa de
publicar". Ricardo Boechat pinçou o caroço ideológico enrustido no angu da
notícia: "A informação é subproduto do poder".
As sacadas geniais de Garcia
e Boechat fortificam a indignação de Clóvis Rossi, repórter de nome e colunista
página 2 da Folha de São Paulo: "No Brasil, ninguém diz o óbvio". As
três frases flagram o jornalismo não-notícia responsável pelas vulcânicas erupções
de escândalos e tragédias de tempos em tempos. Subitamente ,
bombas-relógio à vista de todos, devastam a credulidade nacional. Por algum
misterioso apagão, não são percebidas em tempo pela grande imprensa, das
infiltrações do narcotráfico à corrupção da cartolagem da bola.
A proteção das oligarquias
de todos os setores, base de sustentação da pirâmide do poder, faz parte do
pacto obsequioso de silêncio das grandes redações. Guardiã ciosa da coesão das
elites, a GMB fecha os olhos às ramificações de ilicitude em cada negócio, até
virem a furo acidentalmente. O imenso vácuo ético, a chocadeira do crime de
colarinho branco, tem a ver com o jornalismo não-notícia. Pega no contrapé de
cumplicidade na farra da privatização, a GMB não previu o apagão e compactua
com a cobrança de tarifas sobre energia não consumida. O consumidor embarcou
ingênuo na pantomima da economia de luz e desembarcou otário pela mão do apagão
do apagão, a GMB.
II - AS MODALIDADES DE EXCLUSÃO
Em pé de igualdade
tecnológica com as mais avançadas, a GMB se desnivela para baixo em relação a
qualquer outra na largada da corrida à informação contingenciada, a matéria
prima precária de qualquer mídia. Todas são deficientes na apuração de um
fato-notícia pré-selecionado como tal, geralmente por sua excentricidade
("notícia é quando o homem morde o cachorro"), anormalidade ou
assimetria.
O
leitor/ouvinte/telespectador confia na veracidade da informação, a certeza de
ser portador da verdade de um fato, não importa se circunstancial ou episódica.
Essa certeza serve de moeda no posicionamento diante da realidade ou em
relacionamentos interpessoais. Forma juízo íntimo, molda opinião, segundo
convicções éticas, religiosas, políticas ou interesses pessoais.
A confiança na mídia se
escora na premissa de fatos selecionados a partir de sua importância e de
acordo com o interesse geral, honestamente. Não informação de fato/notícia
relevante geralmente decorre de dificuldades técnicas na apuração ou
transmissão em tempo hábil ou de censura por motivos políticos, econômicos ou
militares. Entende-se censura a proibição imposta arbitrariamente por alguma
autoridade sob pena de retaliação. Imagina-se que a mídia, instintivamente,
move-se contra todo tipo de censura, inclusive por negligência ou deslize ético
profissional.
A teoria não funciona na
prática da Grande Mídia Brasileira, altamente especializada na pré-seleção de
fatos/não-notícia. Em processo inverso à lógica, é a partir da grade de
pré-exclusão que ela seleciona os fatos/notícia segundo regras simplíssimas:
Regra nº 1 - São
fatos/não-notícia os problemas do Brasil Real logo que acontecem ou se
visibilizam.
Regra nº 2 - São
fatos/não-notícia os problemas do Brasil Real que se tornam crônicos e,
portanto, aparentemente insolúveis.
Regra nº 3 - São
fatos/não-notícia todos os que, por razões estéticas, culturais, sociais ou
étnicas, desafiam ou constrangem os padrões de racionalidade, modernidade ou
bom gosto do Brasil Legal.
Fatos/não-notícia são o prazo
de carência de naturalização da pobreza na paisagem social e conseqüente
dessensibilização diante dos dramas da exclusão. A perda da capacidade de
indignação da classe média decorre da maquiavélica desvibilização da realidade
incômoda local e visibilização da realidade prazerosa importada. O que a vista
midiática não alcança, o coração social não sente.
Outra regra indeclarável: A
Grande Mídia Brasileira administra com mão de ferro o imaginário social, do
futebol às telenovelas.
Overdoses de terrorismo
emocional ou ficcional - a agonia e o sepultamento apoteótico de Tancredo
Neves, Plano Cruzado, o Caçador de Marajás, Plano Collor, Copa do Mundo -
alternam-se com terrorismo político. Dora Kramer, rainha do frevo e do maracatu
do colunismo político, nunca cobrou a apuração do assassinato de sindicalistas
- três já no governo Lula - mas acusa o ministro de Desenvolvimento Agrário de
condescendência com "métodos violentos do MST".
Ela que bradou após a
execução de Tim Lopes: "Instrumentos de poder junto ao poder, elevados à
condição de porta-vozes da sociedade, os veículos de comunicação permanecem à
margem do processo de readaptação das instituições brasileiras à democracia e
na correção das injustiças e hábitos nefastos nos diversos setores. Estão fora
dessa discussão, a não ser como juizes, nunca como personagens... Quem, afinal
de contas, pensamos que somos?" (11/06/02).
Ela mesma que, durante a
campanha eleitoral, absolveu a pistolagem de aluguel das grandes redações:
"Evidente que jornais e revistas, por não estarem submetidos aos rigores
da legislação que regula o noticiário eleitoral no rádio e na televisão, não só
podem como devem emitir opiniões, relatar fatos, fazer interpretações,
comparações e o que bem quiserem em nome da exposição detalhada de biografias e
personalidades" (11/07/02).
"E o que bem
quiserem" é o passe dos pistoleiros de aluguel para assassinarem imagens
públicas. Violência política em nome do direito constitucional de livre
expressão. Matriz e pauteira das demais, a mídia gráfica sintetiza o substrato
ideológico editorial unificador do conjunto de conglomerados, o padrão
supostamente de alto nível e bom gosto de filtragem de todos os assuntos.
Na década de 50, O Cruzeiro,
então a grande revista semanal, engavetou por meses a reportagem da odisséia
dos paus de arara, que acabou premiada. Pegava mal chocar a high society com as fotos daquela gente
feia e miserável. Um pau de arara chegou ao Planalto, mas não mudou o veto a
idéias, personalidades, signos e dicções de expressão da diversidade social e
cultural.
O modelo estético oficial -
filhote do pensamento único político - não dá paisagem a escritores e artistas
que põem em risco o controle dos cânones culturais. O grande jornalismo é uma
fábrica 24 horas de subjetividade de exclusão na entrada e de colonização
política e cultural na saída. Nove entre dez editores de cultura duvidam da
existência de arte no Brasil. É o motivo da rejeição de Veja ao cinema
nacional? Um editor de cultura de São Paulo, depois editor-chefe de jornal
gaúcho, suspendeu a cobertura do Festival de Gramado sob o argumento de que
"o cinema brasileiro não existe".
III - VONTADE PÚBLICA X OPINIÃO PÚBLICA
O seqüestro da informação
aciona as turbinas da cadeia de corrupção política da vontade pública.
Essencial à falsificação da agenda social, a pré-fabricação de opinião pública,
a antivontade pública, é a mina de ouro da GMB. Pesquisas de resposta a tudo menos
ao que realmente interessa investem o conjunto de conglomerados da condição de
porta-voz da sociedade, sócio reconhecido do poder pela capacidade de produzir
ou neutralizar pressão. Apenas um pré-requisito: a unidade do bloco.
Sem monolitismo, a GMB não
exibiria a musculatura de partido único típico de ditadura social. O Estado
Democrático de Direito convive com um poder paralelo - o sindicato da mentira -
consolidado no arrombamento constitucional que liberou geral o saque privatista.
Pesquisas pré-direcionadas despistam os movimentos da GMB na contramão do
projeto nacional e abrem espaço à ação de grupos predadores dos ativos
nacionais, tangíveis e intangíveis, direitos sociais inclusive.
A falsa democracia de opinião
camufla o leilão da credulidade popular na bolsa de valores política. A
necessidade de produzir opinião pública incessantemente, na vaga da vontade
pública dissolvida, ejetou o jornalismo para trás. Massa pré-cozida de opinião
pública, a unanimidade das notícias de todas as mídias esgotou as últimas
reservas éticas das grandes redações. Fosse apenas estratagema de faturamento
de status, a fabricação de opinião pública fatalmente acabaria desmoralizada
pelos fatos. Isso já aconteceu - a credibilidade da grande mídia caiu em nível
inquietante - mas o beco não tem saída.
O engarrafamento de fumaça
colorida - o que é na verdade a indústria da opinião pública - não pode ser
cortado abruptamente. Além de instrumento de chantagem e de cooptação, opinião
pública sob encomenda funciona como vitrina de suborno da classe média, na
exposição de seus objetos de desejos simbólicos. Chantagem e suborno, o duplo
fim esperto do engarrafamento de opinião pública, tudo a ver com arrastão.
É saque dos bens subjetivos
coletivos disponíveis no espaço público. Casco do país continental,
diversificado étnica e culturalmente, socialmente heterogêneo, o Brasil Real
rejeita a unipluralidade da informação/opinião à base de desigualdade social.
Versão avançada da integração nacional pela escravidão do Império, a coesão
pela desigualdade rachou, notícia que a GMB nunca dará, por trair sua
cumplicidade na consumação do apartheid social.
Antes de desaprumar os
compromissos do PT, a corrupção unimultimidiática capturou os neurônios da
intelectualidade, depositária fiel do imaginário social brasileiro. Em troca de
brilhatura bissexta nos cadernos de cultura, nenhum questionamento dos cânones
elitistas de interdição ao debate e esterilização das expressões de diversidade
cultural e pluralidade política; nada contra a reprodução certificada das
culturas de alheamento, dessensibilização e desidentificação que naturalizam e
inevitabilizam a desintegração social; um e outro pio contra o fundamentalismo
da colonização de corações e mentes.
A intelectualidade oficial
legitimou, por omissão, a deseducação, a dessociabilização e a desagregação em
massa programadas da grande mídia. A intelectualidade oficializa, na academia,
os paradigmas de exclusão social pela informação, que retiram da GMB a
característica de serviço de interesse público. Nada contém o ímpeto
socialmente canibalizador da tropa de choque das elites. Pelo controle social
da Grande Mídia Brasileira!
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